Aguiar-Branco contra perda automática de direitos em virtude de uma pena

O presidente da Assembleia da República levanta várias dúvidas de constitucionalidade sobre o projeto do Chega de alteração à lei da nacionalidade, designadamente em relação à proposta de um condenado poder perder automaticamente a nacionalidade por naturalização.

José Pedro Aguiar-Branco, aguiar branco

© Álvaro Isidoro / Global Imagens

Lusa
25/06/2025 16:50 ‧ há 6 horas por Lusa

País

Assembleia da República

No seu despacho, que foi hoje divulgado e que conclui pela admissibilidade do projeto do Chega - mas com a ressalva de terem de ser corrigidas inconstitucionalidades no decurso do processo legislativo -, José Pedro Aguiar-Branco analisa e a seguir demarca-se das condições em que o partido de André Ventura propõe a perda da nacionalidade por naturalização.

 

O Chega propõe a perda de nacionalidade por naturalização aos que "sejam definitivamente condenados a penas efetivas superiores a três anos de prisão" e aos que sejam "condenados por sentença transitada em julgado proferida ou revista e confirmada pelo tribunal português, pelo crime de terrorismo".

Para o antigo ministro social-democrata, a Constituição estabelece que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

"O disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição implica uma proibição de o legislador consagrar critérios legais nos termos dos quais decorra, de uma forma automática, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, em virtude de uma pena aplicada", assinala o presidente da Assembleia da República.

Para José Pedro Aguiar-Branco, "a automaticidade do efeito atribuído à condenação, transitada em julgado, a pena efetiva superior a três anos (..), independentemente da pena aplicável -- no sentido de determinar, por si só, a perda da nacionalidade, sem qualquer margem de apreciação ou ponderação judicial -- viola, consequentemente, o parâmetro de constitucionalidade".

Neste ponto, o presidente da Assembleia da República vai mais longe: "Entendemos, inclusive, que a automaticidade do efeito da pena poderá suscitar problemas de proporcionalidade na sua aplicação. Com efeito, os efeitos das penas estão sujeitos a princípios-garantia, em particular ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que qualquer efeito acessório deve pressupor, por um lado, uma certa gravidade do facto praticado e, por outro lado, uma fundada conexão entre o efeito que se quer determinar e o facto criminoso praticado", salienta-se no despacho.

Apesar de identificar estes problemas de constitucionalidade no diploma do Chega, José Pedro Aguiar-Branco diz não seguir a tese referente a "um poder de rejeição automática" de toda e qualquer proposta que tenha alguma desconformidade com a Constituição.

"Contrariamente, entendemos que essa rejeição só deve ocorrer quando a proposta é ostensivamente desconforme à Constituição e tão flagrante que impeça qualquer ajustamento razoável durante a tramitação legislativa. No presente caso, entendemos não estarmos perante uma violação irremediável e insanável da Constituição que não possa ser suprida no decurso do processo legislativo", alega o presidente da Assembleia da República.

Porém, em termos de apreciação da constitucinalidade, no despacho de Aguiar-Branco salienta-se que resulta da jurisprudência que "os efeitos da pena estão submetidos não apenas aos princípios-garantia das penas e medidas de segurança, como também ao princípio da proporcionalidade".

Ou seja, no sentido de que "qualquer efeito acessório da pena pressupõe, por um lado, uma certa gravidade do facto praticado e, por outro, uma fundada conexão entre o efeito (o direito que deve ser declarado perdido) que se quer determinar e o facto criminoso praticado".

Citando os constitucionalistas Jorge Miranda e Damião da Cunha, Aguiar-Branco conclui invocando o seguinte exemplo: "Seria inconstitucional uma lei que privasse do direito de voto a quem fosse condenado por um qualquer crime".

Leia Também: Aguiar-Branco admite projeto do Chega sobre nacionalidade (com reservas)

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