"É uma relação muito própria", descreveu à agência Lusa o cavaleiro, natural de Lisboa. "Há dias em que somos quase como um pai a ensinar o filho, outros em que é o cavalo que nos ensina a nós. Mas tem de haver sempre respeito mútuo", frisou.
Ruas, de 28 anos, chegou à China há um ano para criar seis cavalos e dar formação em dressage numa quinta em Shunyi, o distrito no nordeste de Pequim onde as aldeias e campos agrícolas lembram mais o interior da China do que a capital de 22 milhões de habitantes.
A dez quilómetros do reservatório de Huairou, lago artificial de 12 quilómetros quadrados que abastece Pequim e regula o caudal de rios locais, a quinta está cercada por cursos de água, encostas arborizadas, campos de milho e reservas naturais.
No horizonte, as cadeias montanhosas que se erguem a norte dos distritos de Changping e de Huairou completam uma paisagem que contrasta com o emaranhado de torres envidraçadas e blocos de apartamentos da malha urbana de Pequim.
"Quando estou aqui não me lembro se estou na China, em Portugal ou na Alemanha", explicou João Ruas. "Estou numa bolha, digamos assim, e é uma bolha boa".
Sem experiência anterior no país, o português foi surpreendido pela simpatia dos chineses e pelo acolhimento da comunidade local. No dia em que foi entrevistado pela agência Lusa, o seu triciclo de carga avariou a caminho do supermercado. Depressa, os vizinhos acorreram a tentar consertar o veículo.
"Sou o único estrangeiro aqui. Comunico por gestos, ainda estou a aprender chinês, mas fui sempre muito bem tratado. Os vizinhos ajudam em tudo", contou.
Apesar do entusiasmo com a vida no campo, o treinador admite dificuldades no exercício da modalidade que pratica desde os nove anos. "Há muito amadorismo, pouca técnica, provas caras e com pouca frequência. E tudo o que envolve cavalos aqui é francamente mais caro do que na Europa".
O cavalo "não se domina pela força: requer paciência, conhecimento e sensibilidade", realçou.
"É como um atleta. Tem dias bons e dias maus. E não fala. Temos de saber ler os sinais. Uma pequena reação pode indicar um problema sério", observou.
Em Portugal, João Ruas estudou na Escola Profissional Agrícola D. Dinis, onde conciliava as aulas com os fins de semana passados com o treinador. Desde então, nunca mais deixou os cavalos. "Comecei com uma vez por semana, depois duas, depois três, até chegar a cinco. Tive de insistir muito com os meus pais para começar", contou.
Na China, trabalha com cavalos europeus, trazidos de propósito para competir em provas de dressage. O objetivo é preparar os animais desde os três anos para competições que começam normalmente aos quatro. "Falta ainda uma tradição de criação com foco desportivo. Criam-se cavalos há muitos anos, mas não com critério seletivo para o desporto", disse.
Xangai, a "capital" económica do país, lidera a prática de dressage no país, com mais provas e melhor infraestrutura. Em Pequim, nota-se um interesse crescente, mas ainda há um longo caminho a percorrer. "Pode ser bom começar assim, quase do zero. Permite fazer as coisas bem. Sem vícios", refletiu Ruas.
Com a chegada de mais um cavalo em breve e a perspetiva de continuar o trabalho na China, João Ruas diz-se realizado. "Vejo-me aqui por muitos mais anos. Só custa a distância. Mas com a tecnologia de hoje, conseguimos encurtá-la", afirmou.
"Há sacrifícios que fazem bem à alma".
Leia Também: Jornalistas em Hong Kong lançam portal financiado por anónimo