"O facto de ser uma moda é um risco. O que está aqui verdadeiramente em risco é a implementação incompleta da solução. A utilização do chavão para um serviço subótimo daquilo que se pretendia fazer, ou uma solução subótima", disse à Lusa Cecília Silva, professora do Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente (CITTA) da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).
Em causa está a adoção da terminologia BRT (Bus Rapid Transit), vulgo metrobus, - cujo serviço é essencialmente caracterizado pela circulação de um autocarro num canal totalmente segregado do restante tráfego, com prioridade nos semáforos, num percurso com estações - para serviços que têm outras nuances, desvirtuando o seu conceito original.
"Isto é, nós queríamos um BRT, mas a faixa vai ser partilhada, afinal, ou em determinados sítios vai estar junto com o congestionamento", ilustrou Cecília Silva, considerando que estas diferenças "matam a solução" em termos de eficácia.
Segundo Cecília Silva, "o sistema não pode estar interrompido para funcionar", sendo o seu objetivo "dar prioridade ao transporte público". Mas, "quando isso não é cumprido, no momento em que se vai desenhar a solução, não temos um BRT", acrescentou.
"Portanto, eu gostaria que quando começarmos a avaliar os nossos BRT, tivéssemos também a seriedade de distinguir o que são BRT dos que não o são, dos que são sistemas híbridos, mais ou menos", vincou.
A académica considera os BRT "uma solução muito boa", pois "há muito tempo se tinha descoberto que era possível fazer um sistema de transporte quase tão - não tão, mas quase tão - eficiente como sobre carris", mas que não justifica a instalação do modo ferroviário devido à sua capacidade.
"A partir de um certo nível já não compensa, deve-se mesmo passar para carris", salvaguardou.
Em Portugal, aguardam a entrada em funcionamento os metrobus do Porto e, no distrito de Coimbra, o Metro Mondego (Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã).
Estão também já planeados, no distrito do Porto, os de Matosinhos, Trofa e possivelmente Maia, no de Braga o da própria cidade e a ligação Guimarães - Braga, no de Leiria a ligação entre Leiria e Marinha Grande, em Évora na própria cidade, no distrito de Lisboa dois projetos - entre Lisboa e Oeiras e a Linha Intermodal Oriental Sustentável (LIOS) entre Lisboa, Oeiras e Loures - e no distrito de Faro entre Olhão, Faro e Loulé.
Lembrando a existência de faixas BUS, Cecília Silva diz que em Portugal "eram poucas, descontínuas e não ofereciam um percurso completo", mas que bastariam para "trazer o BRT para Portugal" se o seu percurso "fosse completo" e sem "desaparecer nos cruzamentos" sendo obrigatória a sua priorização.
Questionada sobre se a implementação deste tipo de sistemas no país não está relacionada com a sua, teoricamente, mais rápida execução e facilidade de implementação e obtenção de financiamento europeu, Cecília Silva considerou que essa "é uma questão muito importante e muito difícil de resolver".
"De uma forma geral, os grandes investimentos públicos vão atrás da existência de fontes de financiamento. E a única forma disto correr bem é já ter o planeamento feito com antecedência", refere, assinalando que "raramente há dinheiro para investir no planeamento antecipado" e verdadeiramente "ter uma estratégia, um plano definido", algo que diferencia de apenas se fazerem estudos.
Para Cecília Silva, ainda assim, "independentemente do resultado do BRT, é importante dar o passo em frente", e "o errado seria não fazer e o errado também seria avaliar depois no fim como se fosse o BRT perfeito" nos casos em que não é.
"Quando formos avaliar, avaliar e aprender com os erros, em vez de [dizer que] isto foi uma péssima ideia, vamos demolir tudo e vamos começar de novo", frisou, apesar de considerar que, "em todos estes momentos de investimento, deve haver um pensamento da redistribuição do espaço em todos", com menos espaço para o automóvel, "por já não ser necessário", devido à transferência modal pretendida, ou seja, fazer com que as pessoas adiram ao novo meio de transporte em detrimento do carro.
"Haverá sempre pessoas que vão mudar e é por causa dessas pessoas que que é preciso fazer a transferência de espaço, porque é desesperadamente necessário noutras coisas, como para garantir a segurança dos jovens e de crianças que precisam de ir para a escola e para garantir que os nossos idosos não estão presos em casa, mas podem sair à rua sabendo que de 200 em 200 metros têm um banco para se sentar e não têm medo de ir à loja sabendo que, se calhar, não chegam lá," devido aos perigos rodoviários, ilustrou.
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