"Filhos não param de chorar". Brasileira é deportada por atrasos na AIMA

A família vive desde 2023 em Portugal, para onde se mudou depois de o pai e marido ter recebido um convite de trabalho de uma firma de advocacia portuguesa. Desde então que a mulher e os dois filhos esperam que o pedido de reagrupamento familiar seja autorizado.

avião FA, Estados Unidos, Brasil

© Reprodução X/ Matheus Gomes

Carolina Pereira Soares
24/08/2025 09:16 ‧ há 6 horas por Carolina Pereira Soares

País

Imigração

Uma mulher brasileira, que vivia em Portugal há mais de dois anos com o marido e os dois filhos, de 6 e 8 anos, foi deportada quando estava a regressar com a família de umas férias no Recife, em Pernambuco, no Brasil.

 

O caso aconteceu na terça-feira, dia 19 de agosto, no Aeroporto de Lisboa.

O problema, para os agentes de imigração, foi o processo da brasileira ainda não ter sido validada pela Agência para a Imigração e Asilo (AIMA).

Ora, o marido da deportada, Hugo Silvestre contou ao PÚBLICO Brasil que tem o título de residência pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), obtido assim que chegou a Portugal, em 2023, depois de ter recebido um convite de trabalho de uma firma de advocacia portuguesa.

Assim sendo, pediu o reagrupamento familiar para a mulher e para os dois filhos - mas o pedido continua preso nas filas intermináveis da AIMA há mais de dois anos.

Mesmo assim, a família faz a sua vida normal em Portugal. Os filhos estão matriculados na escola, o marido trabalha na firma e a mulher tem um trabalho remoto em que trabalha para o Brasil. Moram em Cascais.

E durante esses dois anos esperaram pela resposta da AIMA para que toda a família pudesse ter a situação regularizada em Portugal.

Família decidiu recorrer à Justiça em fevereiro deste ano

O ano passado, quando o Governo passou a dar prioridade ao reagrupamento familiar de casais com filhos de 5 a 10 anos (que era o caso desta família), Silvestre diz que recebeu um e-mail para comparecer à sede da AIMA na Figueira da Foz -  a mais de 200 quilómetros de Lisboa. 

"Eu e minha mulher perdemos um dia de trabalho, as crianças perderam um dia de escola, e quando chegamos lá fomos informados de que nosso nome não constava na lista, embora tivéssemos recebido um e-mail de confirmação", contou Silvestre. "Alegaram falha do sistema."

Cansados do processo interminável, em fevereiro deste ano, o casal decidiu seguir o mesmo caminho que milhares de outros imigrantes: recorrer à Justiça.

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Conseguiram uma medida judicial provisória que obrigava a AIMA a responder ao pedido de reagrupamento familiar num prazo de sete dias, mas nem assim o caso ficou resolvido.

Em resposta aos tribunais, a AIMA alegou que Silvestre tinha sido atendido pelos seus serviços a 25 de maio e que, assim que a renovação do título de residência dele fosse concluída, seria iniciado o processo de reagrupamento familiar.

Os agentes no aeroporto desconsideraram os documentos judiciais

Com férias marcadas para o verão para o Recife, mas com receio de problemas na reentrada em Portugal, Silvestre protocolou junto da AIMA um pedido de viagem, anexou um visto de trabalho, outro da CPLP e ainda autorizações judiciais - tudo o que podia para garantir que o processo no aeroporto corria sem problemas.

Mesmo assim, a mulher foi barrada na entrada, com os agentes a questionarem o porquê de ter ultrapassado o prazo de permanência legal de 180 dias no país, e a desconsiderar todos os documentos (incluindo as decisões judiciais) que Silvestre lhes mostrou.

A mulher acabou por ser levada para uma sala de custódia no aeroporto, onde deixou de ter contato com a família "Ela ficou incomunicável até oito da noite, horário em que não havia mais instituições jurídicas funcionando", afirmou o marido.

"Fizemos um pedido de reconsideração e ela dormiu no aeroporto. No dia seguinte, antes mesmo que chegasse a recusa, recebi no aplicativo da TAP uma chamada para o embarque de minha esposa, o que mostra que já haviam reservado a passagem de volta”, contou Silvestre.

Agentes recusaram entregar uma mala com os pertences pessoais à mulher

A família tentou ainda arranjar uma mala que a mulher pudesse levar consigo para o Brasil, para que, no mínimo, tivesse consigo alguns pertences pessoais para se orientar no regresso.

A bagagem foi levada para o aeroporto por uma advogada contratada pela família, Tatiana Kaza, que pediu às autoridades para lhe entregarem os pertences, mas o pedido foi recusado.

"Levaram ela para o avião no mesmo momento em que eu estava estacionando no aeroporto. Pedi para entregarem a mala com as coisas dela, mas se recusaram. Ela foi levada para o avião às pressas, como se fosse uma bandida", relatou a advogada. "Esse comportamento da polícia não tem nada de humanizado, muito pelo contrário, é abusivo", sublinhou Kaza.

"Foi uma situação humilhante. Os meus filhos não param de chorar"

À Folha de São Paulo, o advogado disse que a situação foi humilhante e que os filhos estão desolados com a deportação da mãe.

"Foi uma situação humilhante. Só faltaram algemá-la. Meus filhos, de 6 e 8 anos, que nunca tinham ficado longe da mãe, não param de chorar", contou o marido.

Já no Brasil, a saga continuou, segundo o marido da brasileira.

"Para ter acesso ao passaporte dela, foi conduzida do avião por um agente até o balcão da Polícia Federal no aeroporto de Recife. Lá teve de fazer todo o relato do que havia acontecido em Portugal. Não só. Quando passou pela Alfândega, como estava sem bagagem, foi direcionada para uma salinha e, novamente, teve de relatar tudo o que viveu no aeroporto de Lisboa", contou Silvestre.

Família diz que não vai "desistir de Portugal"

A família vai agora entrar com um novo processo na Justiça, apoiado pela Lei de Estrangeiros que prevê o reagrupamento familiar de cônjuges e filhos menores. 

A norma esteve para ser alterada pelo Governo português, mas acabou por ser declarada inconstitucional e vetada pelo Presidente da República.

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"Tenho certeza que o direito não prevaleceu neste episódio, e sim questões que têm a ver com o ambiente político atual", afirmou Silvestre. “Viemos para agregar recursos, não para drenar”.

Apesar de todos os problemas, Silvestre afirmou que não vai desistir de Portugal.

"Apesar de tudo o que fizeram com a minha mulher, não vou desistir de Portugal. Minha vida está no país. Trabalho, meus filhos estudam, temos casa, amigos, pagamos impostos", referiu Hugo. "Só sairei de Portugal se me expulsarem com meus filhos".

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