O líder do Chega, André Ventura, acusou o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, de ter recuado nas alterações à lei da nacionalidade só por ter sido o Chega a apresentar o projeto e, assim, ter feito um "bloqueio" político ao partido. Em reação, fonte oficial do gabinete de José Pedro Aguiar-Branco referiu que se trata de um "equívoco" de André Ventura. Mas o que está, afinal, em causa?
Ao final da manhã, após a reunião do Grupo Parlamentar do Chega na Assembleia da República, Ventura afirmou que se andava a "falar em sentidos contrários".
"É um mau indício de legislatura e de democracia", atirou aos jornalistas.
De acordo com André Ventura, Aguiar-Branco considerou o projeto do Chega - que pretende que quem cometeu crimes perca a nacionalidade - "inconstitucional", apesar de Luís Montenegro já o ter defendido durante apresentação do programa do Governo, no início da semana.
E referiu ainda os argumentos dados por Aguiar-Branco para fundamentar a sua posição: "é de que a perda de nacionalidade violará o direito constitucional existente, a ter uma nacionalidade", algo que Ventura garante que "corresponde a 0,0001% das situações".
Entretanto, já após estas acusações, Ventura anunciou que vai propor, de forma potestativa, uma comissão de inquérito parlamentar sobre a ação dos últimos governos PS e PSD/CDS na atribuição de nacionalidade e residência a cidadãos estrangeiros.
De acordo com o presidente do Chega, essa comissão parlamentar de inquérito, "deve apurar com toda a extensão, sem limitações de pessoas ou de cargos, quem foi responsável pela entrada desorganizada de pessoas em Portugal, muitos deles com cadastro, sem qualquer verificação".
Aguiar-Branco fala em "equívoco"
Em resposta ao líder do Chega, o presidente da Assembleia da República negou já ter emitido um despacho a recusar um projeto do Chega sobre alterações à lei da nacionalidade e considerou que André Ventura está "equivocado" quando se queixa de bloqueio político, contrariando as afirmações do presidente do partido de extrema-direita.
Fonte oficial do gabinete de José Pedro Aguiar-Branco explicou que "o presidente da Assembleia da República ainda não tomou qualquer decisão sobre a admissibilidade do diploma do Chega, que se encontra ainda em fase de apreciação".
O projeto de lei do Chega com alterações à lei da nacionalidade, no entanto, já foi alvo de um parecer negativo, embora não vinculativo, por parte dos serviços do Parlamento, que o consideraram não conforme com a Constituição da República. Só que o presidente da Assembleia da República ainda não assinou qualquer despacho nesse sentido.
Segundo o disposto no artigo 120.º do Regimento da Assembleia da República, não são admitidos projetos e propostas de lei ou propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados.
Neste parecer do Parlamento levantam-se dúvidas em relação ao diploma do Chega desde logo pela circunstância de uma pena envolver como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
Para o efeito, citam-se os professores Jorge Miranda e Rui Medeiros: "No que se refere àqueles que são portugueses, o direito fundamental traduz-se no direito a não ser privado da cidadania portuguesa ou, com maior rigor, no direito a não ser dela privado através de medidas arbitrárias ou desproporcionadas. (...) Para além disso, nos termos do n.º 4 do artigo 30º [da Constituição], a perda da cidadania não pode constituir um efeito necessário da aplicação de uma pena criminal".
Por outro lado, o projeto do Chega, "ao discriminar entre cidadãos que tenham adquirido a nacionalidade portuguesa por naturalização e cidadãos com nacionalidade originária (desde que tenham outra nacionalidade, para evitar tornarem-se apátridas), também poderá ser analisado se infringe o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição".
Recorde-se que o assunto da revisão da lei da nacionalidade foi puxado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, durante o debate do Programa do Governo, em que adiantou que a proposta de revisão da lei da nacionalidade terá três eixos principais, entre os quais um alargamento das situações em pode haver perda de nacionalidade, nomeadamente comportamentos graves "de natureza criminal".
Em resposta a um pedido de esclarecimento do CDS, o primeiro-ministro recordou ainda que a intenção de rever a lei da nacionalidade já constava do programa eleitoral da AD e que passa por uma "política de imigração mais regulada" e "mais controlada".
Um maior controlo na imigração é uma das linhas mestras do programa do segundo executivo chefiado por Luís Montenegro, estando previsto neste âmbito alargamento do um tempo mínimo de residência e presença efetiva em território nacional (atualmente em cinco anos) e eliminando a possibilidade de a permanência ilegal ser considerada para efeitos de contagem.
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