Numa altura em que a situação dos incêndios no Interior do país está, finalmente, mais calma, começam a surgir os primeiros relatos de quem esteve no terreno e elevam-se as críticas.
Depois de uma bombeira, que é também candidata a vice-presidente da Câmara Municipal de Alpiarça, no distrito de Santarém, ter vindo criticar a gestão dos meios de combate e a falta de prevenção dos incêndios, eis que surge mais um testemunho de quem combateu as chamas dos violentos incêndios que mataram três pessoas e fizeram vários feridos.
"O fogo levou paredes e memórias… mas o que mais queimou foi cá dentro", começa por escrever nas redes sociais o bombeiro José Carlos Quiñonez da corporação de Cabo Ruivo, em Lisboa.
Depois de regressar do Norte, José Carlos diz que teve "finalmente um instante de silêncio para refletir". "Em 20 anos de bombeiro já vi de tudo… mas nunca desta dimensão. Nunca tanta dor, tanta impotência, tanta revolta. Faltou organização, faltaram meios, faltou liderança", atira, acrescentando que foram muitos os que lutaram "com as mãos vazias".
"Vi comandantes levarem com a nossa frustração e o desespero da população — não por culpa deles, mas porque lutavam com as mãos vazias. E depois, como se não bastasse, vejo responsáveis a falar como se nada fosse. Palavras ocas, arrogância disfarçada de liderança. O país arde e quem decide parece viver noutra realidade", nota.
José Carlos esteve em Trancoso e Penedono, nas aldeias de Souto, Risca e Granja. Viu "lágrimas, gritos e pedidos que ainda ecoam" na sua mente. Ouviu pedidos aos quais não conseguiu responder e sentiu-se mal, por não conseguir assegurá-los. "Por trás da farda estava apenas um homem com o coração em pedaços", confessa, descrendo o que viu e sente.
"Na farda que visto carrego coragem, mas também a dor"
"Queria ter chorado convosco, mas não podia. Queria ter-vos abraçado, mas não podia. Queria ter dito que sou igual a vocês, mas não podia. Na farda que visto carrego coragem, mas também a dor de não salvar tudo. Cada vez que fecho os olhos ainda vejo as vossas mãos estendidas, ainda sinto o vosso desespero", afiança, pedindo perdão.
"Perdão por não ter conseguido chegar a todos. Perdão pelas casas que não consegui salvar. Perdão pelas lágrimas que não chorei convosco", lê-se na publicação partilhada das redes sociais há dois dias e que agora se tornou viral.
"Cada vida, cada memória, cada sonho reduzido a cinzas… também nos pertence. Quando o fogo vos roubou tudo, ele levou também um pedaço de nós", concluiu.
A partilha do bombeiro de Cabo Ruivo já foi partilhada por centenas de pessoas e teve um número muito semelhante de reações.
Portugal Continental tem sido afetado por múltiplos incêndios rurais de grande dimensão desde julho, sobretudo nas regiões Norte e Centro. Três pessoas morreram e registaram-se vários feridos.
Segundo dados oficiais provisórios, até 21 de agosto arderam 234 mil hectares no país, mais de 53 mil dos quais só no incêndio de Arganil.
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