O grupo em causa -- denominado Palestine Action -- foi classificado como uma organização terrorista em julho, depois de membros terem invadido uma base da Força Aérea Real e pichado dois caças.
Desde então, várias manifestações têm protestado a classificação -- que junta um grupo que organiza protestos pacíficos e de ação direta sobre património a uma lista que inclui o Estado Islâmico e semelhantes -- e organizações não-governamentais avisaram que se trata de uma decisão "completamente desproporcional", como afirmou o líder da secção britânica da Amnistia Internacional, Sacha Deshmukh.
Na semana passada, mais de 500 pessoas foram detidas em Londres por terem participado numa manifestação de apoio à Palestine Action, metade das quais com mais de 60 anos, levando a que dois membros do Partido Trabalhista (no poder) escrevam hoje no jornal The Guardian a seguinte pergunta: "Será mesmo terrorismo um vigário com um cartaz pacífico?"
No sábado, no jornal irlandês Irish Times, Sally Rooney assinou um artigo de opinião com o título: "Eu apoio Palestine Action. Se isto faz de mim uma 'apoiante do terror' sob a lei britânica, que seja".
No texto, a autora de "Pessoas Normais" escreve: "Os meus livros, pelo menos por enquanto, ainda estão publicados no Reino Unido, e estão disponíveis de forma generalizada nas livrarias e até em supermercados. Em anos recentes, a televisão pública britânica também exibiu duas belíssimas adaptações dos meus romances e, como tal, paga-me com regularidade taxas residuais. Quero ser clara e dizer que tenciono usar estas receitas do meu trabalho, assim como a minha plataforma pública, para continuar a apoiar a Palestine Action e ação direta contra o genocídio de todas as maneiras que eu possa".
Rooney referiu, ainda, que teria todo o gosto em escrever semelhante artigo numa publicação britânica, mas que "tal seria agora ilegal".
"O atual Governo britânico despiu, de forma voluntária, os seus próprios cidadãos de direitos e liberdades básicos, incluindo o direito de se expressarem e lerem opiniões dissonantes, de maneira a proteger a sua relação com Israel. As ramificações para a vida cultural e intelectual no Reino Unido -- onde a eminente poeta Alice Oswald já foi detida, e para onde um número crescente de artistas e escritores já não podem viajar em segurança para falar em público -- são e serão profundas", acrescentou a escritora.
Hoje, citado pela agência espanhola EFE, em reação às declarações da escritora de "Intermezzo", o gabinete do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, lembrou, sem querer tecer considerações sobre indivíduos específicos, que "apoiar uma organização proibida é um delito segundo a Lei do Terrorismo" e acrescentou que "ninguém deveria apoiar" esse grupo.
Rooney recordou que a história do povo palestiniano é que devia estar no centro das atenções e realçou o trabalho da Palestine Action "a tomar passos diretos para parar a aparentemente imparável maquinaria da violência".
"Devemos aos seus corajosos ativistas a nossa gratidão e solidariedade. E, agora, após quase dois anos de um genocídio transmitido em direto, devemos ao povo da Palestina mais do que meras palavras", concluiu a escritora.
Mais de 146 países já reconhecem a Palestina. Nas últimas semanas, França, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido comprometeram-se igualmente a fazê-lo.
Portugal também já iniciou o processo com vista ao reconhecimento da Palestina na Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Esta decisão surge na sequência da guerra que Israel trava na Faixa de Gaza desde 07 de outubro de 2023, desencadeada pelo ataque cometido horas antes pelo movimento islamita palestiniano Hamas em território israelita, fazendo cerca de 1.200 mortos e 251 reféns.
A guerra naquele enclave palestiniano fez, até agora, pelo menos 62.004 mortos, na maioria civis, e 154.906 feridos, além de milhares de desaparecidos, presumivelmente soterrados nos escombros, e mais alguns milhares que morreram de doenças, infeções e fome, de acordo com números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Prosseguem também diariamente as mortes por fome, causadas pelo bloqueio de ajuda humanitária durante mais de dois meses, seguido da proibição israelita de entrada no território de agências humanitárias da ONU e organizações não-governamentais (ONG).
Alguns mantimentos estão desde então a entrar a conta-gotas e a ser distribuídos em pontos considerados "seguros" pelo Exército, que regularmente abre fogo sobre civis palestinianos famintos, tendo até agora matado 1.908 e ferido pelo menos 13.863.
Há muito que a ONU declarou o território em grave crise humanitária, com mais de 2,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" e "o mais elevado número de vítimas alguma vez registado" pela organização em estudos sobre segurança alimentar no mundo.
Já no final de 2024, uma comissão especial da ONU tinha acusado Israel de genocídio em Gaza e de estar a usar a fome como arma de guerra, situação também denunciada por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), uma classificação igualmente utilizada por organizações internacionais e israelitas de defesa dos direitos humanos.
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